Brasil tem maior número de afastamentos por ansiedade e depressão dos últimos 10 anos

Publicado em: 10/03/2025
Brasil tem maior número de afastamentos por ansiedade e depressão dos últimos 10 anos

O Brasil vive uma crise de saúde mental com impacto direto na vida de trabalhadores e de empresas. É o que revelam dados exclusivos do Ministério da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho. Em 2024, foram quase meio milhão de afastamentos, o maior número em pelo menos dez anos.

Os dados mostram que, no último ano, os transtornos mentais chegaram a uma situação incapacitante como nunca visto. Na comparação com o ano anterior, as 472.328 licenças médicas concedidas representam um aumento de 68% (veja gráficos no final da matéria). De acordo com psiquiatras e psicólogos, esse crescimento é reflexo da situação do mercado de trabalho e das cicatrizes da pandemia, entre outros pontos.

Segundo Thatiana Cappellano, pesquisadora sobre os transtornos mentais no contexto do trabalho, a pandemia expôs ambientes tóxicos, que se tornaram ainda mais estressantes, e sobrecarregou trabalhadores, culminando nos dados que vemos hoje. “Muitas pessoas foram demitidas, e as que ficaram aumentaram terrivelmente a intensidade do trabalho. Quando a pandemia acabou, isso não regrediu. Todo mundo continua trabalhando no mesmo ritmo acelerado, só que talvez a gente não tenha estrutura psíquica e física para suportar esse ritmo por tanto tempo”, avalia Thatiana.

Dados do Ministério da Previdência Social permitem traçar um raio-x da situação, com a lista de doenças que motivaram os benefícios por incapacidade temporária, antigo auxílio-doença (veja gráfico no final da matéria). O benefício é concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) quando o trabalhador precisa se afastar por mais de 15 dias. Para isso, é preciso passar por uma perícia médica, na qual é declarada qual doença justifica a licença.

O maior número de licenças está nos estados mais populosos como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No entanto, proporcionalmente, quando consideramos o número de afastamentos em relação à população, os maiores índices foram registrados no Distrito Federal, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

Os dados do INSS permitem traçar um perfil dos trabalhadores atendidos: a maioria é mulher (64%), com idade média de 41 anos, e com quadros de ansiedade e de depressão. Elas passam até três meses afastadas do trabalho.

Os especialistas explicam que mulheres são a maioria por fatores sociais: a sobrecarga de trabalho, a menor remuneração, a responsabilidade do cuidado familiar e a violência:

  • Mulheres ganham menos que homens em 82% das áreas, segundo levantamento do IBGE;
  • Total de casos de feminicídio cresceu 10% nos últimos cinco anos;
  • Mulheres foram as mais afetadas durante a pandemia do Coronavírus, com maior índice de desemprego e trabalho não remunerado, segundo pesquisa publicada pela revista científica “Lancet".

“Esse padrão social sobre as mulheres gera sobrecarga. Ao mesmo tempo, elas têm salários menores e são, muitas vezes, as responsáveis financeiras pela casa. Ou seja, ainda tem toda essa pressão, que foi ampliada com toda a crise na pandemia”, disse o psiquiatra Arthur Danila, pesquisador sobre ansiedade na Universidade de São Paulo (USP).

Segundo o último Censo, as mulheres mantêm financeiramente 49,1% dos lares brasileiros. Isso significa 35 milhões de famílias pelo país. E a maioria está na faixa etária a partir de 40 anos, a mesma idade média dos afastamentos.

“Isso é uma tragédia social anunciada. É a mulher que hoje provém boa parte das casas no país, e essas mulheres estarem neste nível de estafa é um risco econômico. As famílias podem ficar desabastecidas e o consumo diminuir”, diz Thatiana Cappellano, mestre em ciências sociais e consultora sobre trabalho.

A crise fez com que o governo federal buscasse medidas mais duras. O Ministério do Trabalho anunciou a atualização da NR-1, que é a norma com as diretrizes sobre saúde no ambiente do trabalho. Com as atualizações, o Ministério do Trabalho passa a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o que pode, inclusive, acarretar em multa para as empresas caso sejam identificadas questões como:

  • metas excessivas
  • jornadas extensas
  • ausência de suporte
  • assédio moral
  • conflitos interpessoais
  • falta de autonomia no trabalho
  • condições precárias de trabalho

Segundo Viviane Forte, coordenadora geral de fiscalização em segurança e saúde no trabalho do MTE, a ideia da atualização é trazer mais clareza sobre o tema saúde mental dos empregados e os critérios vão ser exigidos independentemente do tamanho da empresa. “Caso os riscos sejam identificados, será necessário elaborar e implementar planos de ação, incluindo medidas preventivas e corretivas, como reorganização do trabalho ou melhorias nos relacionamentos interpessoais”, explica a coordenadora.

A fiscalização será realizada de forma planejada, através de denúncias que são encaminhadas ao Ministério. Empresas de teleatendimento, bancos e estabelecimentos de saúde são prioridades por conta do alto índice de adoecimento mental.

As inspeções, que são feitas por auditores-fiscais, verificam o local de trabalho e dados de afastamentos por conta doenças ou acidentes, rotatividade de funcionários, conversam com trabalhadores e analisam documentos para identificar possíveis situações de risco.

Caso sejam encontrados episódios que justifiquem o adoecimento mental dos trabalhadores, pode ser aplicada uma multa que varia entre R$ 500 a R$ 6 mil por cada situação. Além disso, o empregador vai ter um prazo para ajustar o formato de trabalho e evitar mais afastamentos.

As ações adotadas pelas empresas vão ser monitoradas pelo Ministério do Trabalho. Para dar conta de tamanha demanda, o órgão vai contratar 900 novos auditores fiscais do trabalho por meio do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU).

No entanto, o ministério não informou como vai estabelecer uma rotina de fiscalização que possa incluir essa demanda, o que faz com que especialistas questionem se a medida pode mesmo ser uma iniciativa para endurecer a cobrança.

Segundo a especialista, a atualização feita pelo Ministério do Trabalho é uma forma de colocar o assunto em alta. Porém, como todas as outras normas técnicas e regulamentares, isto não altera efetivamente o quadro caso não haja uma mudança por parte das empresas.

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